Londres 2012: Especialistas questionam impacto positivo de Jogos no turismo
[Por BBC Brasil em Londres, 24/07/2012]
O aumento do turismo é frequentemente citado como um dos supostos benefícios que um país pode ter com a realização dos Jogos Olímpicos. Mas à exceção da agência oficial de turismo de Londres, é difícil achar alguém do setor que esteja otimista em relação aos benefícios que os Jogos Olímpicos de 2012 podem trazer ao setor na cidade.
Alguns estudos mostram que várias cidades-sede de Jogos recentes sofreram na verdade com uma queda no turismo no ano do evento e nos anos imediatamente posteriores.
Há quem sugira, inclusive, que o Rio de Janeiro, próxima sede do evento, não caia no conto do comitê olímpico e acredite que o megaevento seja capaz de turbinar o setor.
“Os Jogos não são um evento turístico. São, na verdade, uma droga poderosa que intoxica as pessoas e as faz insistir nisso sem qualquer base na realidade”, disse à BBC Brasil Tom Jenkins, diretor-executivo da Associação Europeia de Operadores de Turismo (Etoa, na sigla em inglês), que prevê que o turismo local “desabará” depois do evento.
Ele completa: “Minha sugestão para o Rio de Janeiro é para que não caiam no conto do Comitê Olímpico Internacional”.
Para o secretário de Turismo do Rio, Pedro Guimarães, no entanto, o planejamento dos organizadores dos Jogos na cidade prevê o incentivo à realização de grandes eventos na cidade para permitir a utilização plena dos locais de competições e também da infraestrutura hoteleira após o término da Olimpíada.
“Acredito que o Rio estabelecerá um paradigma novo para a realização dos Jogos”, afirmou à BBC BRasil.
Sem expansão
Em uma série de estudos realizados nas cidades-sede, a Etoa vem confirmando nos últimos anos o que Londres deve provar novamente em 2012: em ano olímpico, o setor de turismo da cidade-sede encolhe em número de visitantes. Nenhuma das cidades examinadas (Pequim, Sidney, Barcelona e Atenas) apresentou expansão no ano olímpico.
Há evidências, segundo a Etoa, de que o maior evento do mundo provoca distúrbios – ou o medo deles – que espantam o turista convencional. Já os que viajam em função do calendário esportivo cobrem apenas temporariamente o buraco, que continua aberto por por um bom tempo.
Barcelona, considerada um exemplo quando o assunto é legado olímpico, demorou quatro anos para retomar os níveis de ocupação hoteleira anteriores ao evento, afirma a Etoa. Sidney, na Austrália, viu dez grandes hotéis fecharem depois dos Jogos e serem convertidos em prédios residenciais por falta de hóspedes. Em Pequim, nos meses seguintes ao evento, o desembarque de turistas caiu 20%.
‘Fenômeno conhecido’
Em Londres, a expectativa é que a receita anual com turistas em 2012 repita o desempenho de 2011, quanto eles movimentaram 12 bilhões de libras, ou cerca de R$ 36 bilhões. De acordo com a London & Partners, agência governamental de promoção do turismo na cidade, 26 milhões de pessoas devem visitar a cidade este ano.
“Considerando-se a crise na Europa, repetir 2011 é um bom desempenho”, avalia Martine Ainsworth-Wells, diretora de Marketing da London & Partners, que confirma que a entidade tentou “mitigar” os efeitos negativos dos jogos sobre o setor de turismo. “É um fenômeno conhecido”, reconhece.
Jenkins, da Etoa, afirma que as estimativas oficias, no entanto, são “extremamente otimistas”. Ele diz que o primeiro semestre de 2012 foi melhor para o setor de turismo londrino do que o mesmo período no ano passado. “Se a estimativa oficial estiver correta, o segundo semestre será muito fraco para o setor”, analisa. “Mas acho que na verdade vai desabar”, prevê.
Jenkins não está só. Recentes relatórios de entidades de turismo apontam para queda na ocupação de hotéis entre 30% e 35%. “Haverá menos visitantes gastando mais. Isso é o que explica mantermos os níveis de negócios do ano passado”, diz Terry Williamson, diretor de operações da JacTravel, empresa que tem em sua base de clientes agências de viagem, operadores de turismo e sites de reservas de hotel.
Segundo Williamson, o fato de haver menos turistas gastando mais não é um bom sinal. Uma das principais razões para isso teria sido o fato de o Comitê Organizador dos Jogos de Londres ter bloqueado 40 mil quartos de hotel, o que provocou uma alta de preços nas unidades ainda disponíveis.
Hotéis mais caros
Pesquisas realizadas por diferentes sites de reservas confirmam aumentos significativos nos preços das diárias. O TravelClick apurou alta de cerca de 25% nas diárias de julho e agosto. A própria JacTravel encontrou hotéis quatro estrelas cobrando 415 libras por noite, ou cerca de quatro vezes o preço habitual. Já a Hotel.com registrou aumento de 104% nas diárias praticadas por hotéis de Londres para o verão.
“Alguns hotéis estão conseguindo flexibilizar as tarifas depois que o Comitê Organizador começou a liberar parte dos quartos que havia bloqueado e que não vai usar. Mas pode ser tarde demais”, avalia Williamson.
Com menos hóspedes e a preços maiores, o setor hoteleiro pode ter salvo a própria pele. Mas outros segmentos não terão a mesma sorte. Em uma recente reportagem da revista The Economist, a SeeTickets, empresa líder na venda de ingressos para os famosos e turísticos musicais do West End londrino registrou vendas 20% menores para o período dos Jogos Olímpicos em relação aos mesmos meses em 2011. Cerca de 10% dos turistas que vêm a Londres vão ao teatro.
Há sinais, ainda, de que o preço dos Jogos será alto para a economia como um todo. Recente estudo do Citigroup em Londres afirma não haver evidência de que os Jogos sejam capazes de turbinar a economia britânica, que deveria, segundo a instituição financeira, encolher após o evento.
Embora identifique ganhos para a indústria pesada por conta da construção das locações olímpicas, a análise alerta para a queda do número de horas trabalhadas durante as competições, o que pode reduzir o ritmo da economia, entre outros potenciais efeitos negativos. “Os Jogos não são política econômica”, alerta o Citigroup, que examinou 10 cidades-sede.
Ainda que estatísticas confiáveis sobre o impacto dos Jogos só venham a se tornar disponíveis em outubro, segundo a London & Partners, há sempre a expectativa de que, no longo prazo, o impacto do evento seja positivo para a cidade.
“O legado de longo prazo será, nós acreditamos, bem mais importante para o turismo britânico do que qualquer aumento em 2012. A cobertura internacional deve aumentar o número de visitantes nos próximos anos em milhões de pessoas, segundo o governo”, lembra Miles Quest, porta-voz da British Hospitality Association.