Olimpíada russa custa mais que o dobro da Copa 2014 e Rio 2016 juntas
[Por BBC Brasil, 06/02/2014]
Uma olimpíada com uma tocha enviada ao Polo Norte e ao espaço, uma estrada pavimentada com “ouro e caviar” – nas palavras de um crítico – com contratos exorbitantes executados por amigos do presidente e um estádio para 40 mil pessoas que será usado apenas duas vezes.
Essas são algumas das peculiaridades dos Jogos de Inverno de Sochi, que começam nesta sexta-feira na Rússia, e estão sendo chamados de a “Olimpíada mais cara da história”. O orçamento não-oficial dos Jogos, de US$ 50 bilhões, seria suficiente para custear todas as obras somadas da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos do Rio 2016.
O governo russo afirma que o orçamento oficial é de US$ 7 bilhões – levando em conta apenas obras diretamente ligadas aos Jogos. Mas o governo reconhece que foram gastos os US$ 50 bilhões – quando somados todos os investimentos em infraestrutura na rica região de Sochi, no sul da Rússia.
Em seu planejamento oficial, entre recursos públicos e privados, o Brasil está gastando uma fração desse valor para todas as obras – tanto as de infraestrutura como os estádios.
Segundo o mais recente balanço, divulgado em novembro pelo Ministério do Esporte, a Copa do Mundo de 2014 tem um orçamento de R$ 25,6 bilhões (ou cerca de US$ 10,6 bilhões, com o câmbio atual). Para a Olimpíada de 2016, foi previsto um orçamento de US$ 14,4 bilhões, segundo o documento de candidatura, com valores de 2009.
Especialistas acreditam que os custos dos eventos no Brasil ainda podem subir bastante – mas dificilmente chegariam perto do gasto na Rússia. A cidade de Londres gastou US$ 13,9 bilhões na Olimpíada de 2012.
Estrada de ‘ouro e caviar’
Desde 2010, Sochi vem recebendo investimentos para transformar o balneário de veraneio russo – onde a média histórica das mínimas nunca fica abaixo de quatro graus – na meca dos esportes de inverno.
Em um raio de poucos metros, próximo à orla do Mar Negro, foram construídas duas arenas de hóquei, uma de curling e dois estádios com rinques de patinação. As competições de esqui acontecerão nas montanhas que cercam o balneário.
Um dos maiores estádios dos jogos – o Fisht – tem capacidade para 40 mil pessoas e sequer vai abrigar eventos esportivos. Ele será usado em apenas duas ocasiões: para as cerimônias de abertura e encerramento.
Mas os estádios nem são os itens mais caros do orçamento. As obras para construção de uma estrada e uma ferrovia de 28 quilômetros entre o aeroporto local e a região de Krasnaya Polyana, onde também haverá competições, custaram US$ 8,7 bilhões.
Esse valor é mais que o orçamento total da Olimpíada de Inverno anterior, em Vancouver, segundo a Fundação Anti-Corrupção, uma ONG de Moscou que faz ativismo contra os gastos dos Jogos. Segundo o site sochi.fbk.info, mantido pela entidade, o governo russo entrou com 54% do total de recursos.
O diretor executivo da Fundação, Vladimir Ashurkov, disse à BBC Brasil que os custos dos estádios em Sochi são de 1,5 a 2,5 vezes maiores do que o normal – ao comparar as obras das Olimpíadas de Inverno com outros estádios.
“Nós acreditamos que os grandes motivos por trás do aumento dos gastos são a corrupção”, diz Ashurkov.
O político de oposição Boris Nemtsov, que virou uma espécie de porta-voz contra os gastos nos Jogos, disse a uma televisão russa que a estrada poderia ter sido pavimentada com “cinco milhões de toneladas de ouro ou caviar, que o preço da obra teria sido o mesmo”.
Os ativistas e a oposição também acusam o governo russo de favorecer os aliados do presidente Vladimir Putin. As empresas de um amigo de adolescência de Putin, Arkady Rotenberg, receberam US$ 7,4 bilhões em contratos – mais da metade de todo o orçamento dos Jogos do Rio.
‘Enviado de Deus’
Rotenberg nega ter se beneficiado de sua relação com Putin – a quem chamou de “um enviado de Deus ao nosso país”, em recente entrevista a um jornal britânico.
Uma auditoria feita pelo próprio governo em 2012 apurou que mais de meio bilhão de dólares em gastos seriam “fora do razoável”. Putin foi à televisão para dizer que o aumento nos gastos aconteceu apenas por conta de erros de estimativa dos investidores, e não por má-fé.
“Se alguém tem essa informação (de que houve corrupção), por favor nos mostre. Mas até agora, nós não vimos nada além de especulações”, disse o presidente. Os organizadores dos Jogos também se defendem das acusações de gastos excessivos e favorecimento.
O diretor do Comitê Organizador, Dmitry Chernyshenko, disse à BBC que o orçamento de US$ 50 bilhões inclui obras que seriam feitas mesmo no caso de Sochi não ter sido escolhida a sede dos Jogos.
Sobre os contratos com Rotenberg, Chernyshenko afirma que “não está na melhor posição para avaliar a eficiência da licitação, mas elas foram feitas de forma aberta e transparente”.
Ele diz que, a exemplo do que ocorreu com os Jogos de Pequim de 2008 – que, com orçamento de US$ 43 bilhões, foram os mais caros daquela época – a Rússia quer usar a Olimpíada para apresentar uma nova imagem do país ao mundo.
O governo russo justifica os altos gastos dizendo que quer projetar internacionalmente uma imagem positiva do país – de vigor econômico e prosperidade.
“Nós queremos contar ao mundo a história da nova e moderna Rússia”, disse ele.
Turismo
O governo russo diz também querer manter um legado vivo de turismo e esportes na cidade. Em outubro, Sochi abrigará o primeiro GP da Rússia de Fórmula 1 da história.
O estádio Fisht está nos planos das autoridades para a Copa do Mundo de 2018, que também será disputada na Rússia. Para este torneio, o orçamento inicial previsto na candidatura já duplicou, e está atualmente em US$ 19 bilhões – quase o dobro do gasto previsto para o Brasil em 2014.
O diretor-executivo da Fundação Anti-Corrupção acredita que o mesmo caso – de gastos excessivos e corrupção – se repetirá na Copa.
“Com metade do dinheiro gasto em Sochi, US$ 25 bilhões, já seria possível fazer um evento fabuloso, que é o que os russos querem ver. A outra metade poderia ter sido gasta em projetos de desenvolvimento social”, disse ele à BBC Brasil.
“Treze milhões de pessoas não têm água quente em casa. Dez milhões não têm acesso a saneamento.”