África 2010 alerta dificuldades de manutenção das arenas
[Por Primeira Edição, 03/02/2014]
Uma grande (embora simples) lição da Copa do Mundo de 2010 foi ignorada no planejamento para o Mundial brasileiro em 2014: a viabilidade de administração de arenas multimilionárias a longo prazo. O risco de que muitos estádios se tornem “elefantes brancos” após o evento da Fifa não é nenhuma novidade, mas uma comparação à luz do evento sediado na África do Sul demonstra didaticamente porque é tão provável que isso aconteça.
A receita para o fracasso tem vários passos, mas o mais irreversível é a decisão, quase sempre política, de construir um estádio com o conhecido padrão Fifa em uma região sem tradição esportiva. No Brasil, a Arena Pantanal, em Cuiabá, a Arena da Amazônia, em Manaus, e o Mané Garrincha, em Brasília, são os estádios mais preocupantes, além de, em menores proporções, a Arena das Dunas, em Natal.
O que a experiência sul-africana mostra é que o desperdício de dinheiro não acontece apenas até a inauguração, mas ao longo dos anos. As menores arenas, com capacidade para 40 mil pessoas, chegam a ter um custo de manutenção de R$ 2,5 milhões ao ano. Sem receberem eventos frequentemente, os estádios se transformam em “ralos” de verba pública.
Apesar de nome ter pegado, Arena das Dunas tenta vender “naming rights”
Para destacar esse alerta para o pós-Copa dos estádios brasileiros, o iG Esporte fez um levantamento de como está sendo utilizado cada um dos dez estádios que sediaram o evento em 2010, especialmente aqueles construídos especificamente para o evento.
Falta de público e superestimação dos eventos não-esportivos
Nos discursos otimistas de políticos e organizadores, a aposta geralmente é de que um estádio moderno atrairá grandes públicos mesmo em cidades sem times grandes. E, paralelamente, jogos de times de outros estados e outros eventos não-esportivos, como shows de bandas internacionais, eventos corporativos e até grandes manifestações religiosas. A realidade, porém, é bem menos profícua.
O estádio mais caro da Copa de 2010 foi o Green Point, na Cidade do Cabo. Hoje, porém, é raro que ele atraia um público próximo dos 62 mil torcedores que viram a semifinal entre Holanda e Uruguai quatro anos atrás. O Ajax, clube de futebol da cidade, raramente leva mais de 5 mil pessoas a seus jogos, por isso prefere utilizar estádios menores e com aluguel mais barato.
A tradicional equipe de rugby local, Stormers, assim como os Springboks, seleção nacional, continuam utilizando o estádi de Newlands, considerado um templo da modalidade. Com isso, ao longo dos últimos quatro anos o Green Point só reviveu seus melhores momentos em três amistosos da seleção de futebol e pouco mais de dez shows de artistas como U2, Lady Gaga e Justin Bieber.
Mas há casos piores. Os estádios Peter Mokaba e Mbombela estão localizados, respectivamente, nas cidades de Polokwane e Nelspruit, que poderiam ser comparadas a Cuiabá e Manaus: têm o turismo forte por conta de suas atrações naturais, mas pouquíssima tradição esportiva. Por isso, a atividade nas arenas fica praticamente restrita a jogos locais, com o público quase sempre abaixo de 1000 pessoas. A situação é parecida no estádio Nelson Mandela Bay, de Port Elizabeth, que sedia basicamente jogos da segunda divisão de rugby.
Soccer City e Moses Mabhida, as exceções
Sede da final da Copa entre Espanha e Holanda, o Soccer City, em Joanesburgo, é o estádio mais bem aproveitado desde o Mundial. E a receita é simples, além de ter se tornado a “casa” da seleção nacional de futebol (em março, os Bafana Bafana enfrentam a seleção brasileira no último amistoso antes da Copa), o estádio recebe a maioria dos jogos entre Orlando Pirates e Kaizer Chiefs, times de futebol mais populares do país. Um clássico entre os dois já chegou a receber mais de 92 mil pessoas.
Já o Moses Mabhida, de Durban, é o único exemplo de estádio que conseguiu se viabilizar de maneira criativa. A arena não conseguiu atrair o Sharks, time de rugby local, mas sedia os jogos do Amazulu United, time de futebol que consegue com certa frequências públicos na casa das 20 ou 30 mil pessoas. Mas o grande mérito foi transformar o estádio na principal atração turística da cidade, graças ao teleférico e ao bungie jumping instalados em um arco que passa por cima do gramado.
Também conseguem sobreviver sem grandes sobressaltos os estádios que foram apenas reformados para a Copa de 2010, Ellis Park, de Joanesburgo, Loftus Versfeld, de Pretoria, Free State, de Bloemfontein, e Royal Bafokeng, de Rustenburgo. Todos mantiveram, após a Copa, os mesmos eventos que tinham antes, de times de rugby ou futebol. Nesses casos, porém, vale lembrar que na África do Sul as reformas custaram de R$ 23 a R$ 112 milhões – no Brasil, as mais baratas foram as da Arena da Baixada e do Beira-Rio, ambas na casa dos R$ 330 milhões.