Regulamentação de e-commerce deve causar transtornos ao mercado de turismo eletrônico
[Artigo de Leonardo Ribas, sócio das áreas de Contencioso e Arbitragem, Contratos Cíveis e Comerciais, Consumidor e Direito Eletrônico, Diário do Turismo, 27/05/2013]
O aquecido mercado de turismo brasileiro, que responde por mais de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o IBGE, e cresce à gorda taxa média na casa dos dois dígitos nos últimos anos, poderá viver momentos de insegurança a partir deste mês de maio, quando entrou em vigor o Decreto 7.962/13, que regulamentou o Código do Consumidor, em particular, no que diz respeito ao e-commerce. O mercado de turismo em geral, vale dizer, deverá atingir um patamar de negócios próximo a R$ 28 bilhões ao final de 2013, percentual 24% superior em relação ao ano passado, de acordo com a consultoria e-bit. Conforme dados da consultoria E-consulting, somente o segmento de turismo eletrônico movimentou cerca de R$ 8,7 bilhões no ano passado e é esse o mercado bilionário que poderá ter sobressaltos.
Talvez o ponto mais polêmico do Decreto esteja no inciso III do Art. 1, que prevê o direito de arrependimento do consumidor nas operações fechadas pelos canais de e-commerce. Segundo a previsão do Decreto, tal qual ocorre nos negócios em geral fechados fora do estabelecimento comercial, os consumidores poderiam fazer uso do arrependimento em 7 dias, sem que isso implicasse em qualquer ônus para ele.
Leonardo Ribas, sócio do Doria, Jacobina e Gondinho Advogados, explica justamente que o direito de arrependimento existe para proteger um consumidor que, por exemplo, fora de um estabelecimento comercial, é tomado de surpresa por um vendedor e acaba contratando um produto ou serviço de maneira pouco refletida, exemplifica Ribas, que é assistente de Direito Civil na PUC-SP e cuida dos problemas cotidianos de duas das maiores agências de viagens online do país.
Ribas argumenta que a aplicação do direito de arrependimento no e-commerce é particularmente preocupante no mercado de turismo on line porque, nesta esfera, as operações de reserva de passagens ou de estadias em hotéis exigem, por sua própria natureza, que sejam feitas com um mínimo grau não apenas de antecedência, mas também de segurança da contratação. Isso porque, neste mercado, o consumidor geralmente segue um roteiro lógico, marcandode maneira sincronizada suas passagens nos meios de transporte e suas estadias nos meios de hospedagem. Desta maneira, a utilização do arrependimento por um consumidor pode – e é provável que ocorra – prejudicar não apenas a organização dos prestadores de serviços, mas paradoxalmente de outros consumidores, que na prática podem ter ficado impossibilitados de programar da melhor maneira sua própria viagem. Vale acrescentar, ainda, que com a vinda dos grandes eventos esportivos no país, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, esta problemática será ainda mais evidente, porque pelas mesmas razões poderá afetar usuários do mundo todo, pois a malha aérea mundial é interligada.
Comércio em crescimento
Esta situação poderá colocar em risco o desenvolvimento do segmento, que necessita de segurança jurídica para continuar registrando curva ascendente de crescimento, que gera receitas para o País e milhares de empregos para os brasileiros – são mais de 7 milhões de vagas. O último estudo do IBGE avalia que as atividades de turismo desembolsaram R$ 48,8 bilhões somente com salários e remunerações, em 2009.
Mundialmente, estima-se que o comércio eletrônico deverá representar perto de 30% de todo o comércio global em cinco anos, segundo informação publicada no site da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara-e.net). Já a pesquisa “T Index”, da consultoria italiana Translated, aponta que o Brasil deteve, em 2012, 3,1% do movimento mundial feito pela Internet, ficando em sétimo lugar no ranking global de e-commerce. O estudo estima que essa fatia avance para 4,3%, em 2016.
Outros pontos conflituosos
Ribas ressalta que o Art. 3 do mesmo Decreto também é polêmico e atinge especialmente o segmento de compras coletivas. Neste ramo, o negócio com o consumidor geralmente apenas é concluído quando se atinge um número mínimo de consumidores interessados. Imagine-se que, posteriormente, 10% destes consumidores desistissem do negócio, como ficaria a situação daqueles consumidores que quiseram manter a compra?