Entrevista com Eduardo Sanovicz, presidente da ABEAR
[Por Diário do Turismo, 10/01/2014]
Cinco companhias aéreas (Avianca, Azul, Gol, TAM e Trip) criaram em 2012 a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) que tem como atuação, “planejar, implementar e apoiar ações e programas que promovam o crescimento da aviação civil de forma consistente e sustentável, tanto para o transporte de passageiros como para o de cargas”. Eduardo Sanovicz, doutor em Turismo pela Universidade de São Paulo e presidente da entidade concedeu esta entrevista, a primeira elaborada em conjunto pelo DIÁRIO DO TURISMO (online) e pelo AEROPORTO JORNAL (impresso), acompanhe.
DIÁRIO/AEROPORTO JORNAL – Eduardo, como o senhor analisa o acordo de céus abertos (“Open skies”no jargão do setor) assinado em 2011 pelos governos dos EUA e Brasil? (e que deve ser implantado no país em 2015). Essa política é boa para o mercado brasileiro, para o mercado global, para o passageiro brasileiro, ou para todos?
EDUARDO SANOVICZ – A Abear tem como foco de seu trabalho a aviação doméstica nacional, atividade comum a todas as empresas associadas. Por essa razão nos reservamos o direito de não comentar sobre o mercado internacional.
DIÁRIO/AEROPORTO JORNAL – Conforme números apresentados pela Abear, (no finzinho do ano passado) foram transportados 76,8 milhões de passageiros no mercado doméstico em 2013. Qual a sua análise para este ano, incluindo a presença das aéreas brasileiras no internacional?
SANOVICZ – O número mencionado, na verdade, diz respeito ao total de passageiros transportados no mercado doméstico ao longo de 12 meses registrado até então. Ou seja, inclui as estatísticas desde dezembro de 2012 a novembro de 2013. O número total para o ano de 2013, de janeiro a dezembro, está agora em fechamento e deverá ser divulgado em breve. O que ele deverá nos mostrar é uma estabilidade, ou pequeno crescimento, em relação ao período anterior, o que é também nossa perspectiva para 2014.
O setor chega a 2014 ainda, a priori, com essa perspectiva de estabilidade nos negócios, mas atento especialmente ao comportamento do câmbio, uma vez que o dólar indexa em média 60% das despesas das companhias (principalmente relativamente a contratos de arrendamento de aeronaves, seguros e combustível. Considerando o senso comum, que entende o ano de realização da Copa do Mundo como de uma grande oportunidade para a expansão do setor aéreo, a explicação para essa avaliação são estudos que fizemos a partir da experiência de eventos passados, como as Copas da Alemanha e África, além dos Jogos Olímpicos de Londres, que mostram a realização das competições resultam para as companhias do país anfitrião em uma manutenção do fluxo total de passageiros, ou então pequenas variações para cima ou para baixo. Isso porque durante o evento há uma forte redução do tráfego corporativo, que responde por aproximadamente 2/3 do total no dia-a-dia – e que tem um gasto médio por viagem mais elevado em funções de suas necessidades próprias, e uma aumento do tráfego de lazer – que por outro lado é muito sensível a preços e busca sempre os valores mais econômicos. Os ganhos com o evento acontecem, de fato, em um prazo mais longo, como resultado da maior exposição do país na mídia. O que temos nas mãos nesse ano de Copa do Mundo, portanto, é um grande desafio logístico para realizar uma operação complexa e de qualidade, atendendo a todas as expectativas de brasileiros e estrangeiros.
DIÁRIO/AEROPORTO JORNAL – Como o senhor analisa o plano de malha aérea especial para a Copa do Mundo proposto pela Anac?
SANOVICZ – A proposta de elaboração de uma malha aérea específica para a Copa do Mundo partiu inicialmente das próprias empresas aéreas, por meio da Abear, para as autoridades do setor. Foi encaminhada já em setembro do ano passado, incluindo, além da flexibilização da malha aérea, outra medidas para aumentar a eficiência das operações durante o evento. Conforme as perspectivas para a Copa foram evoluindo, com a confirmação das seleções participantes, definição da tabela de jogos, ainda que não fossem conhecidos os confrontos, e o início da venda de ingressos, os torcedores também começaram a tomar as providencias para acompanhar o torneio pelo país e passaram a procurar passagens aéreas. Já sabíamos que iríamos lidar com uma demanda muito alta, mas também bastante concentrada em determinados momentos, coincidindo com os jogos das principais seleções. Essa demanda, entretanto, começou a se manifestar para uma malha aérea que não era ainda aquela preparada especificamente para a Copa. Sabíamos que o marco no horizonte para promovermos os ajustes à malha deveria ser a partir da realização do sorteio final dos grupos da Copa do Mundo, quando finalmente saberíamos quais os principais jogos da primeira fase, inclusive com estádios, datas e horários, mas que estava programada para o início de dezembro. Nos antecipamos e apresentamos à Secretaria de Aviação Civil e à ANAC, considerando também a experiência do trabalho realizado durante a Copa das Confederações, as demandas específicas das empresas, incluindo a flexibilização da malha aérea para todo o período da Copa, considerando tanto essa primeira fase, quanto também as seguintes, quando vamos ter que promover ajustes muito rápidos, uma vez que os jogos vão sendo definidos pouco a pouco e com antecedência reduzida.
Dentro dessa discussão, um aspecto importante de se montar uma malha aérea especificamente para atender os torcedores da Copa é a busca pelo melhor equilíbrio entre oferta e demanda. Durante o período da competição algumas rotas nacionais deverão ter uma procura bastante baixa. Outras, relacionadas com a competição, ao contrário, terão uma procura bastante elevada. Com o desenho da nova malha poderemos realocar recursos, garantindo o transporte aéreo para os torcedores em quantidade suficiente e a preços compatíveis com aqueles de outros momentos semelhantes de demanda concentrada.
DIÁRIO/AEROPORTO JORNAL – Com o aumento do número de passageiros no mercado aéreo nacional a tendência é que as tarifas caiam. Mas não é isso o que vem ocorrendo. Dados econômicos informam que a tendência é que nos próximos meses haja um crescimento da tarifa aérea influenciado pelo quadro macroeconômico. O senhor poderia comentar essa equação?
SANOVICZ – Aproveito a pergunta para resgatar o histórico recente do nosso setor e esclarecer esse tema. Com liberdade tarifária, um cenário favorável e acirrada competição entre as empresas, a aviação nacional experimentou, pelo menos entre 2002 e meados de 2011, um período de forte expansão, triplicando de tamanho, chegando a mais de 100 milhões de passageiros domésticos, e de acentuada queda de tarifas, chegando quase à metade do que custavam em 2002. Esse quadro passou a ter alguma alteração de 2011 até o presente momento pela deterioração das condições econômicas: alta do petróleo no mercado internacional – e consequentemente do combustível de aviação, seu derivado, desvalorização do real ante o dólar americano e diminuição do ritmo de crescimento da economia nacional.
Dada a sensibilidade de nosso mercado às variações de preço as companhias suportaram o quanto puderam a alta dos custos sem fazer repasses aos bilhetes. Tomaram todas as medidas ao seu alcance para evitar isso, comprando aeronaves maiores, mais modernas e econômicas e promovendo melhorias de gestão. Quando não puderam mais enfrentar os custos em elevação e na ausência de medidas de outros atores para reduzir os custos do setor, teve que haver alguma recomposição de preços. Mas ainda assim os impactos nas tarifas são, todavia, algo recente: no primeiro semestre de 2013, sobre o mesmo período de 2011, a ANAC indica uma variação positiva de apenas 3% no valor médio dos bilhetes. Em termos reais, ao longo do primeiro semestre de 2013 o valor médio dos bilhetes domésticos (também dado ANAC) ficou em R$ 302,98. E também de acordo com o órgão regulador, mais de 63% das passagens domésticas vendidas no Brasil custam no máximo até R$ 300. Por outro lado, menos de 0,5% das passagens custam mais que R$ 1500.
O ano de 2013, então, foi marcado pela estabilidade na demanda e pelo ajuste da oferta das empresas aéreas, sendo essa uma das últimas ferramentas ao alcance das transportadoras para enfrentar o momento de dificuldades e preservar o patrimônio do largo mercado conquistado ao longo da década anterior. Como principais fatores de pressão na temporada apareceram o preço do combustível de aviação comercializado no Brasil, que é 20% mais caro que a média mundial, além da tributação sobre a atividade, como um todo. Com destaque para o efeito nocivo que os impostos exercem para os deslocamentos domésticos, uma vez que tornam o combustível especificamente usado para os voos dentro do Brasil muito mais caro – em razão da cobrança de PIS/COFINS (impostos federais) e de ICMS (em alíquotas de 12% a até 25%, como em SP) – do que aquele usado para voos internacionais, que é isento de tributos por acordos internacionais.
Tendo sido 2013 um ano de estabilidade e sendo essa ainda a projeção para 2014, continuam sendo esses os principais temas na agenda do setor para que possamos colocar nossas companhias aéreas nas mesmas condições de concorrência e operação de outros importantes mercados domésticos mundiais.
Eduardo: “processo já encerrado”
DIÁRIO/AEROPORTO JORNAL – “Estudo da Bain & Company aponta que a capacidade de transporte aéreo no Brasil cresceu 2,3 vezes mais que a dos aeroportos entre 2003 e 2012. Hoje, os aeroportos de Cumbica, em Guarulhos, e de Viracopos, em Campinas, operam acima da capacidade” . Em recente entrevista o senhor afirmou que há um detalhe a ser criticado na concessão dos aeroportos do Galeão, Confins, Viracopos e Cumbica, e esse detalhe é que o modelo que definiu o vencedor do leilão é o consórcio que ofereceu maior valor de outorga, em vez de maiores tarifas. O senhor poderia explicar?
SANOVICZ – Não cabe agora comentarmos sobre o processo já encerrado e que foi conduzido a partir das análises técnicas feitas pelas equipes do Governo. Ficamos satisfeitos com a qualidade dos operadores escolhidos e temos boas expectativas. O que fizemos à época foram comentários, críticas apenas em um sentido mais construtivo, de contribuição da visão das empresas aéreas a essa iniciativa. Devemos agora pensar na evolução desse processo, que diz respeito a um dos obstáculos a serem superados para a continuidade do desenvolvimento do setor, como você mencionou. Essa avaliação de que temos um gargalo de infraestrutura a ser endereçado, inclusive, está contida na Agenda 2020, documento apresentado pela Abear à sociedade no início de 2013 e que define nossas metas até o início da próxima década. Objetivamente, somos favoráveis à continuidade do processo de concessão da infraestrutura aeroportuária à iniciativa privada, o que proporciona uma modernização dos processos de gestão, atualização tecnológica, agilidade decisória e um maior foco no relacionamento com os clientes (companhias aéreas) e usuários (passageiros). Para as próximas etapas, entendemos o Governo deveria avaliar caso a caso a melhor adequação dos modelos de concessão por maior outorga ou menor tarifa.
Em linhas gerais, o que avaliamos é que para aeroportos com limitações físicas à expansão e/ou com tráfego essencialmente corporativo, ou seja, menos sensível a preços, tal como o aeroporto de Congonhas, entendemos que o modelo de maior outorga seria o mais adequado. Para aeroportos em localidades de grande fluxo turístico ou potencial de desenvolvimento nesse aspecto, entendemos que o modelo a ser seguido deve ser de menor tarifa, uma vez que esses passageiros são mais sensíveis a preços. Nesse modelo de menor tarifa os ganhos obtidos, comparativamente em relação ao modelo de maior outorga (que permite investimentos cruzados em outras localidades que não necessariamente o aeroporto especificamente concessionado, uma vez que vão para o FNAC), seriam obrigatoriamente repassados aos usuários daquele aeroporto, aumentando sua competitividade e impulsionando o fluxo turístico já existente.