Da hotelaria para o mundo; as nuances de um mercado de mão dupla
[Por Hotelier News, 09/08/2012]
Ainda na metade dos anos 1980, Willy Scholz, hoje Property Manager do Cenu (Centro Empresarial Nações Unidas) – Tishman Speyer, localizado em São Paulo, atendia empresários e executivos de multinacionais do lado de dentro de um dos balcões do muitos hotéis em que trabalhou. Atuando por 26 anos no segmento, o profissional, depois de passar por diferentes cargos deixou este mercado e agora aplica sua experiência noutro nicho.
As coisas mudaram na hotelaria e o caso de Scholz não é simplesmente um achado, um fato esporádico, mas sim uma tendência presente de um mercado forjador de trabalhadores, que, com bagagem adquirida, direcionam seus caminhos para outras searas.
Buscando mais benefícios, maiores vantagens ou apenas novas vivências, estas pessoas passam a se aventurar em outras carreiras. Na outra ponta desta relação, ansiando pelo bom trato com o público e pela cordialidade – características intrínsecas do atuante em hotéis – empresas passam a enxergar os corredores acarpetados como um celeiro de talentos, que captados e adequados podem tornar-se ideais para o novo negócio.
Debruçando-se sobre o tema, Márcio Moraes, sócio-fundador da QI Profissional e especialista em planejamento de carreira no mercado de hospitalidade, levanta outras questões e argumenta que “Não é especificamente uma tendência, a causa é a atual situação do mercado de trabalho no Brasil. Há falta de profissionais qualificados o que aumenta a competitividade entre os segmentos”.
Onda passageira ou realidade em crescimento, este fenômeno de migração toma espaço em debates e serve como temática para discussões de especialistas em relações trabalhistas. Sobre o assunto, o Hôtelier News, ouviu profissionais, que por prismas diferentes, encaixam-se neste panorama, e ouviu suas impressões, opiniões e comentários.
“Sempre trabalhei na área de Hotelaria. Atuei nos cargos de recepcionista, gerente de Hospedagem, gerente de Treinamento, diretor de Recursos Humanos, diretor Administrativo Financeiro, diretor de Operações e gerente geral em redes hoteleiras nacionais e internacionais no Brasil e exterior”, conta Scholz, que na nova empresa – na qual já está há um ano e seis meses – é responsável pela gerência de Administração Predial (Engenharia, Administração, Segurança e Limpeza), num prédio que tem circulação média de 8 mil pessoas por dia.
Já habituado com a realidade sem os saguões lotados, o executivo conta que a transição para outra atividade teve tons familiares. “São muitas semelhanças. O atendimento e a satisfação do cliente continuam sendo os aspectos mais importantes. E existem controles muito parecidos como os de budget, funcionamento da estrutura durante 24 horas e perfeito funcionamento de todos os equipamentos”, comenta.
Opinião parecida tem Bárbara Quinta Rosa, profissional de governança que após cinco anos em hotéis foi atuar em hospitais e hoje é a governanta do Shopping Paulista, instalado em São Paulo (SP). Para ela, dentro de sua especialidade, as atividades são bem parecidas, com algumas ressalvas. “As funções são bem parecidas. Coordeno equipes terceirizadas e próprias, com a diferença que não tenho que me preocupar com overbooking [excesso de reservas] ou com a lavanderia que não entregou o enxoval”, diz.
Os dois são exemplos da abrangência que a formação hoteleira pode dar a um profissional. Seja em uma carreira estratégica, como em casos de grandes executivos, ou em cargos operacionais, como a própria governança. Abarcando especialidades diversas, o leque de trabalhadores em meios de hospedagem se abre para ocupar diferentes postos em outras praças.
Especialidades
“Percebemos maior procura em mercados que têm correlação ou aplicação direta de conhecimentos na área de hospitalidade. Porém, a universalização do conhecimento também colabora para isso”, considera o especialista em planejamento de carreira. “Por exemplo, a formação acadêmica em administração de empresas e economia é aplicável em diversos segmentos. Essa questão é percebida até mesmo em currículos que eram desenhados exclusivamente para hotelaria, como nos casos de profissionais com formação acadêmica no setor. Agora, estes investem em uma segunda graduação ou pós em cursos mais abrangentes e que possam favorecer numa mudança de segmento ou de abertura do leque para outras opções”, complementa.
Moraes acredita que por algum tempo foi comum os segmentos de hospitalidade e de condomínios se convergirem em relação ao aproveitamento de pessoas. No entanto, agora outros tipos de negócio aparecem na disputa pelos mesmos profissionais. “Agora outros aparecem entre os requisitantes de perfis hoteleiros: centros comerciais, locadora e concessionárias de veículos, teatros, redes de televisão (administração da área de atendimento e de relacionamento), clínicas, redes atacadistas, supermercados, importadoras”, enumera.
Por este raciocínio, os meios de hospedagem tornam-se vitrines para empresas em busca de pessoas com facilidade de relacionamento com o cliente e desenvoltura para traduzir no âmbito operacional as necessidades e os anseios do mercado. “Entre os hóspedes estão diretores e presidentes de empresas. Essa relação é construída com qualidade e de forma mútua”, pondera.
O gramado do vizinho é mais verde
Para o diretor da QI Profissional, ao mesmo tempo em que o cliente do hotel percebe a atenção dispensada a ele e repara na performance de quem o atende, o funcionário do hotel percebe, por meios das reuniões e treinamentos realizados no meio de hospedagem, o investimento de determinadas empresas no capital humano; essa proximidade inicia um processo de flerte entre as partes.
“Este profissional começa a reparar em detalhes como o reconhecimento profissional, o investimento no trabalhador, o plano de carreira traçado, a cesta de benefícios mais encorpada. Itens que muitas vezes o hotel não lhe oferece e que fazem total diferença”, comenta.
Não é só remuneração
Habituado a lidar diariamente com os trabalhadores do metiê, Moraes alega que o que parece ser a razão principal para atrair qualquer profissional, a remuneração, por vezes fica em segundo plano em detrimento de benefícios que cerquem o profissional com mais segurança.
“A remuneração é um dos fatores, como também a cesta de benefícios e o fato de poder trabalhar numa empresa que favoreça o crescimento profissional. É extremamente importante que a empresa ofereça um plano de carreira e permita conciliar o trabalho com a vida pessoal”, alega. “A preferência é dada para o trabalho que favoreça a qualidade de vida, traduzida em finais de semana livres, horário comercial de trabalho, direito a feriados, maior convívio com a família e amigos”, afirma.
Regresso
O caminho de volta está sendo percorrido por Abdou Farah, que após permanecer cerca de quatro anos trabalhando nas áreas imobiliária e de varejo, voltou à hotelaria – carreira na qual ingressou em 1983 – em julho último como gerente geral do Hotel Excelsior São Paulo, instalado em São Paulo.
Com boas expectativas para o recomeço, o gerente comenta que o afastamento do setor pode fazer bem para todos os profissionais envolvidos neste mercado. “Um tempo fora do setor pode permitir ao profissional que enxergue algumas mudanças de comportamento necessárias para desenvolver bons trabalhos. Enquanto estava em outras áreas ainda mantive os contatos que tinha antes e isto é uma atitude importante para quem sai e pensa em voltar algum dia”, aconselha.
Com a licença de quem se ausentou e voltou por saber que exercerá funções que lhe aprazem, Farah ressalta que o relacionamento com pessoas e com situações que exigiam tomadas de decisão com agilidade foram os legados que a hotelaria deixou na sua vida.
Negócios próprios
Também iniciadas em estabelecimentos de hospedagem, Juliana Yoshida e Ana Tereza Barreto, tornaram-se sócias e atualmente são proprietárias da Fun In The Box – empresa especializada na organização e promoção de festas infantis. Parceiras há tempos, elas contam que a ideia de se aventurar em outras paragens surgiu num período de recesso, no qual as duas acabavam de sair de uma companhia internacional sem destino certo.
“Nós duas acabamos morando no mesmo condomínio e a convivência do dia a dia acabou nos aproximando e coincidentemente as duas saíram da Marriott no mesmo ano. Neste meio tempo não conseguimos ficar paradas e resolvemos investir neste mercado”, resume Juliana. “Não tínhamos a intenção de retornar ao mercado hoteleiro”, completa.
Indagadas sobre quais ensinamentos hoteleiros ainda lhes são úteis na fase atual, elas concordam que o prazer em servir é a principal herança. “Sem dúvida, a preocupação em servir, atender o cliente com perfeição, atenção aos detalhes e saber que qualquer que seja o motivo de comemoração, ele é sempre muito especial. O mesmo acontece com o turismo e a hotelaria, trabalhamos com o sonho, o desejo e o prazer de nossos clientes”, discursa Ana Tereza.