Daniel Battistini: “O maior desafio, hoje, é de reter o profissional"
[Por Hôtelier News, 29/10/2013]
O executivo Daniel Battistini, 38 anos, nasceu e morou boa parte da vida na cidade de São Bernardo do Campo, interior paulista. Torcedor do São Bernardo de carteirinha, não abriu mão do time de coração quando mudou para a capital. Formado em administração de empresas, Battistini teve seu primeiro contato com o meio hoteleiro quando prestava serviço para uma consultoria em Santo André e foi designado para acompanhar a evolução da construção do Mercure Jardins. De lá para cá, soma 13 anos na Accor, rede na qual criou raízes e cresceu profissionalmente.
Trabalhou na sede corporativa da companhia hoteleira, em 2004, onde iniciou o projeto de inclusão de Pessoas com Deficiência na empresa. Posteriormente, completou o time do Novotel Jaraguá. Em 2008, foi convidado a retornar ao Corporativo para desenvolver e implantar a área de Administração de Pessoal no Centro Administrativo & Financeiro Accor até que, em 2011, foi convidado para gerenciar a Capih (Comissão dos Administradores de Pessoal da Indústria Hotelaria), composta por 39 hotéis.
Acostumado a lidar com pessoas, Battistini ressalta que o lado bom de trabalhar com tanta gente é que nenhum dia é igual ao outro. À frente do órgão, o executivo gerencia questões de rentabilidade, reestruturação de trabalho, recrutamento e seleção, treinamentos e relações trabalhistas – desempenhando um papel relevante no desenvolvimento organizacional e comercial da empresa. Questionado sobre a dinâmica profissional na hotelaria, ele ressalta “o maior desafio hoje não é o de capacitar um profissional, mas sim retê-lo. Em um mercado onde a taxa de turnover se aproxima dos 50%, há um indício de que não está tudo bem”.
Em uma conversa após uma reunião mensal da Capih, no Grand Mercure São Paulo Ibirapuera, Battistini explanou sobre sua carreira e as percepções que tem sobre o atual mercado de trabalho, com base em sua experiência no segmento de relações trabalhistas.
Por Avana Salles
Capih
O grupo, formado por profissionais de Recursos Humanos, Administração de Pessoal e Relações Trabalhistas, reúne-se mensalmente para debater e propor ações conjuntas nas questões ligadas ao dia a dia das relações do trabalho nas empresas hoteleiras. O grande pilar de desenvolvimento da iniciativa, segundo Battistini, é a troca de experiências e informações entre os profissionais participantes. Além de representantes de São Paulo, a iniciativa reúne membros de diversas localidades do País, como Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ) e Goiânia (GO).
Desses encontros surgem possíveis melhorias no ambiente de trabalho, como desenvolvimento de manuais operacionais, procedimentos de seleção, pesquisas de salários, estruturação de cargos e avaliações de desempenho. Além disso, a Capih exerce um papel importante na avaliação da situação atual de trabalho no segmento hoteleiro ao estabelecer o monitoramento de índices do setor como rotatividade, benefícios e pesquisas de desligamento aplicadas nos hotéis.
Capacitação profissional
“A capacitação dos profissionais têm sido um desafio constante dentro dos nossos hotéis, muitas vezes até mesmo pela falta de interesse dos próprios colaboradores. Procuramos contatos para tentar aplicar o Pronatec nos hotéis da Capih, mas não obtivemos êxito. Esse programa se mostrou-se interessantíssimo na teoria, mas na prática se tornou quase uma lenda. Acredito que a questão de idiomas como o inglês ainda é uma demanda grande no setor, o que faz com que várias empresas invistam em cursos internos nos hotéis.
Também defendo a prática de cursos técnicos. Acho a ideia de unir teoria e prática imprescindível. O aluno sai da faculdade de hotelaria hoje sem uma visão mais ampla, uma vivencia pessoal do que é, na realidade, o cotidiano de um hotel. Ao longo da minha carreira me deparei com vários casos de pessoas que cursaram a universidade de Hotelaria e conheciam a teoria e que mudaram de ramo quando conheceram o que era um hotel na prática.
Muitos cursos tratam o hotel da teoria como perfeito. Não tem chuveiro que a água quente não funciona, que a reserva que não foi feita e o hotel está em over, que tem hóspede estressado, enfim, a realidade é bem diferente. Vivenciar o ambiente de trabalho que você será inserido evita surpresas, perca de tempo e de dinheiro”.
Programas de recrutamento
“A hotelaria vive um momento complicado quando se fala sobre recrutamento e seleção. A ausência de mão de obra tem feito com que, cada vez mais, nosso nível de exigência tenha que ser flexibilizado. Atualmente tem se tornado comum apostar em mão de obra sem experiência para formá-la dentro do hotel. Esse ponto tem exigido que os profissionais de Recursos Humanos sejam muito criativos, tanto nas fontes de recrutamento quanto na questão da atratividade pelo nosso segmento”.
Retenção profissional e taxa de turnover
“Como reter um profissional? Essa é a grande pergunta que nos fazemos diariamente. Não adianta demandarmos esforços estruturando processos de recrutamento e seleção, pensando na qualificação, na capacitação se, ao final, perdermos esses profissionais para o mercado ou, pior, para outros setores. E é o que têm acontecido com certa frequência. Em uma pesquisa que realizamos no passado pudemos verificar que muitos colaboradores que deixavam a hotelaria buscavam maior qualidade de vida, já que nos hotéis as escalas de trabalho proporcionam um dia de descanso a cada seis dias trabalhados.
Estes profissionais estavam trocando os hotéis por outros setores para que pudessem descansar aos finais de semana, mesmo que, as vezes, o salário fosse menor. Isso demonstra uma mudança cultural dentro do nosso setor e nós temos que observar o que está acontecendo em nossa volta e pensar em como inovar. Esse será o segredo para reter os talentos.
Em relação a taxa de turnover, em 2013 nós não fizemos o monitoramento dos índices nos hotéis da Capih, mas conversando com colegas do setor eu percebo que continua alto na maior parte dos hotéis. Nos últimos levantamentos encontramos uma média de 42% ao ano e acredito que não tenha sofrido grandes alterações. Esse turnover traz um custo alto e que não conseguimos mensurar em valores. Perde-se tempo, energia e dinheiro recrutando, selecionando, treinando para depois iniciar novamente esse fluxo em um curto período de tempo. Um estudo do DIEESE constatou – baseado em dados do Ministério do Trabalho obtidos através do CAGED – que 18,4% do quadro na hotelaria possuía entre um e dois anos de empresa e, a maior concentração dos colaboradores (25%) encontrava-se nas faixas de menor tempo de emprego, ou seja, até 5,9 meses o que revela a alta rotatividade de colaboradores no setor. Um índice de quase 50% é um fato alarmante, na minha opinião”.
Leis trabalhistas
“Em relação às leis trabalhistas dentro da hotelaria, considero que o avanço seja lento. Podemos destacar como positiva a desoneração da folha de pagamento, que trouxe vantagens para os hotéis midscale e luxo. Também a Lei nº 12.690/2012 que dispões sobre a organização e funcionamento das Cooperativas de Trabalho, que traz um princípio de segurança jurídica para a utilização deste tipo de mão de obra, mas ainda temos muito o que evoluir e ser ouvidos nas casas Legislativas”.
Qualidades de um hoteleiro
“Na minha opinião é amar aquilo que faz. Hoteleiro nasce com essa vocação. É aquele que recebe os que chegam no hotel de uma maneira que eles se sintam em casa, que sabe solucionar os problemas que parecem chegar junto com a bagagem dos hóspedes, que superam todos os obstáculos para garantir a melhor estada para quem ele recebe. Gostar de lidar com gente, de ter contato com outras culturas, de trabalhar em horários alternativos também fazem parte do perfil”.