Turismo brasileiro: Distante do mundo
[Por CartaCapital, 03/01/2014]
Se dependesse apenas de seus recursos naturais, o Brasil seria a nação mais competitiva no turismo mundial. Contribuem suas praias, florestas, clima. Considerado o conjunto de condições para o desenvolvimento da atividade, o País cai, porém, para a 51ª posição. Entre os problemas mais graves estão a infraestrutura de transporte deficiente e a baixa competitividade de preços das passagens aéreas, hotéis, combustíveis e os efeitos da tributação sobre os custos. A avaliação apresentada em um ranking feito pelo Fórum Econômico Mundial permite entender o fato de ainda engatinharmos em um setor da economia que movimenta quase 4 trilhões de dólares por ano no planeta.
Quando o Ministério do Turismo foi criado, há dez anos, o setor faturava no País 24 bilhões de dólares, ou seja, 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De lá para cá, a receita anual atingiu 76 bilhões de dólares, mas a relação com o PIB manteve-se no mesmo patamar. Na pesquisa realizada pelo World Travel & Tourism Council (WTTC), em 2012 a contribuição direta das atividades de turismo do Brasil ao PIB foi de 3,4%. A média mundial é de 5,2%.
Na Grécia, chega a 6,5%, e no Egito a 6,9%. O México (5,8%), a Espanha (5,4%), e a Itália (4,1%) também faturam alto.
Há outro dado desanimador. Nos últimos dez anos, o número de visitantes estrangeiros cresceu em apenas 1,7 milhão, de 4,1 milhões em 2003 para 5,8 milhões em 2012. Só para comparar, apenas a ilha havaiana onde fica Honolulu recebe 8 milhões de turistas estrangeiros por ano. A França, campeã em visitas, recepciona 83 milhões.
Em 2013, estimam-se 6,2 milhões de visitantes estrangeiros, meta que o primeiro Plano Nacional de Turismo, de 2003 a 2007, previa ultrapassar em 2005. Agora o objetivo é chegar a 7,9 milhões de turistas de fora em 2016, uma reedição da meta que o plano anterior traçava para 2010. Com esse desempenho, a participação brasileira no turismo estrangeiro mundial caiu em volume (de 0,8%, em 2003, para 0,5%, em 2012), apesar de ter crescido levemente em receita (de 0,4% para 0,6%).
A expansão do turismo no Brasil tem sido sustentada pelas viagens domésticas, impulsionadas pela valorização da renda familiar. O consumo dos brasileiros reflete-se também na balança comercial: enquanto, em 2012, os estrangeiros gastaram aqui 6,6 bilhões de dólares, os brasileiros deixaram 22 bilhões em compras fora. O número tem certa distorção, pois o Banco Central não separa turismo das compras em sites estrangeiros. Mesmo assim, o saldo negativo impressiona.
Os resorts sentiram bastante a oscilação do movimento. Os estrangeiros, que em 2008 representavam 43% dos hóspedes, em 2012 eram 10%. “O público nacional e os eventos corporativos compensaram a queda dos estrangeiros depois da crise mundial, mas não queremos abrir mão do mercado internacional”, diz Dilson Fonseca, presidente da Resorts Brasil.
A avaliação predominante dos empresários é de que o governo deveria se empenhar mais na divulgação dos destinos brasileiros e no incentivo à competitividade do mercado. “O Brasil está em evidência há cinco anos gratuitamente por causa da preparação para os grandes eventos esportivos, e mesmo assim não conseguimos vender nossa potencialidade, pois temos um orçamento pífio e um enfoque errado”, diz Roberto Rotter, presidente do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB). Segundo ele, o governo dá pouca atenção a países com crescente oferta de turistas, entre eles China e Rússia.
O orçamento do Ministério do Turismo, em 2012, foi de 2,6 bilhões de reais, mas 1,6 bilhão acabou contingenciado. O ministro Gastão Vieira admite que a crítica sobre a insuficiência dos recursos procede, mas afirma que os gastos têm ficado próximos aos limites empenhados. No ano passado, do limite de despesas de 1,2 bilhão de reais do ministério e de autarquias, 1,18 bilhão foi usado. “Precisamos aumentar os recursos, mas o governo tem dificuldades fiscais”, diz Vieira.
Para 2014, a Embratur, órgão responsável pela promoção do turismo, negocia um orçamento de 300 milhões de reais, ante 200 milhões neste ano. “Temos uma execução orçamentária excelente, de 96%, em 2012. Se tivesse mais, a gente gastava”, diz Flávio Dino, presidente da empresa. Segundo ele, a restrição de verbas exige foco eficiente em menos destinos. Para ações de promoção in loco, a Embratur trabalha com 18 mercados prioritários, entre eles Argentina e outros países latino-americanos, Rússia, Japão, Reino Unido e Espanha.
Além das restrições de dinheiro, em 2011 o ministério foi abalado pela Operação Voucher, da Polícia Federal, que investigava um esquema de desvio de recursos em programas no Amapá. As denúncias enfraqueceram o ex-ministro Pedro Novais, que pediu demissão depois de ser acusado de usar irregularmente verbas públicas, quando exercia o mandato de deputado. Hoje, quatro ações com 21 réus relacionadas ao caso estão nas mãos do Supremo Tribunal Federal.
O escândalo afetou vários contratos do ministério. Uma das ações prejudicadas foi a contratação de empresas para administrar os escritórios brasileiro de turismo, representações instaladas no exterior para a promoção do País. Uma licitação para contratar administradores foi suspensa em 2011 pela nova direção da Embratur por suspeita de irregularidades. Outras duas tentativas foram frustradas por falta de interesse das empresas diante das novas regras e, apenas na quarta-feira 4, foram classificadas duas companhias (a brasileira Promo e a portuguesa CV&A) para operar os escritórios, depois de dois anos fechados. Perda de um tempo precioso, segundo os investidores do setor.
A Embratur afirma que os recursos antes destinados aos escritórios foram investidos em ações substitutas, como campanhas de divulgação tocadas pelas embaixadas brasileiras e eventos externos.
Qual a causa então da queda do fluxo de estrangeiros? “Aumentar o turismo depende de precondições básicas que ainda não temos”, diz o ministro.
A dificuldade de acesso dos vizinhos a cidades turísticas no Brasil é um dos entraves. Apenas a Argentina é um grande emissor de turistas ao País, seguida de Uruguai, Chile e Paraguai em menores proporções. “A França recebe muitos turistas, pois qualquer jovem pega um trem na Europa e vai para Paris, é barato e prático. O México é beneficiado pela fronteira com os Estados Unidos, movimento que às vezes nem sequer é turismo”, compara Vieira.
No caso de mercados mais distantes, há uma concentração dos voos com chegada em São Paulo ou no Rio de Janeiro, o que prejudica com longas conexões o acesso a outros destinos. Um inglês que queira passar uma semana de dezembro nos Lençóis Maranhenses gasta mais de 20 horas de voo e conexão: sai de Londres, voa para o Rio de Janeiro, espera duas horas e meia, e parte para São Luís, de onde ainda lhe restam mais de 100 quilômetros de estrada. Para voltar, enfrenta a mesma travessia, só que desta vez com passagem por São Paulo. Por metade do tempo e menor preço, consegue passar a mesma semana de férias numa praia na República Dominicana, a 3,5 mil quilômetros de São Luís.
“Para viabilizar o acesso a determinados destinos, é preciso subsidiar o estabelecimento de uma rota por uma companhia aérea até ele, promover o lugar e criar uma demanda”, diz Marco Ferraz, presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), que cita o desenvolvimento do turismo na Jamaica como resultado desse tipo de ação. O governo federal vê necessidade de ter ofertas de voos internacionais para Manaus e Belém, mas não oferece incentivos.
A carência na infraestrutura de recepção (serviços nos aeroportos, orientação, mobilidade urbana, segurança) é outro entrave. Os investimentos em modernização de aeroportos e obras de mobilidade urbana nas cidades-sede da Copa de 2014 devem contribuir para melhorar o quadro, embora o problema seja muito mais complexo.
“O Brasil ainda não se conscientizou da importância econômica do setor de turismo. Ele é beneficiado pelos investimentos, mas gera qualidade de vida. É uma atividade que acaba interferindo em todos os demais segmentos”, diz Marcio Santiago, da Confederação Brasileira de Convention & Visitors Bureaux (CBC&VB). Segundo o WTTC, cada milhão de dólares consumidos em viagem e turismo no Brasil gera 1,5 milhão em riquezas, um impacto só menor do que aquele proporcionado pelos investimentos em educação.
Por causa de seu potencial de crescimento, o setor tem respondido rapidamente a incentivos. A Resorts Brasil diz que a desoneração da folha de pagamento, em vigor desde agosto de 2012, propiciou um benefício de 22 milhões de reais e refletiu em aumento da ocupação em dezembro de 2012 (3,7%) com redução da média tarifária (-2,6%). Em Brasília, a redução do ICMS sobre o querosene de 25% para 12% a partir de abril atraiu 56 novos voos para o aeroporto da capital, com o consequente aumento de consumo dos combustíveis em 24,4%.
“Os voos que saem do Brasil para o exterior têm isenção do ICMS sobre o combustível, os domésticos não. Essa é uma das razões para que um voo de São Paulo até Buenos Aires saia mais barato do que para Foz do Iguaçu”, diz Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear). A entidade entregou ao governo federal um conjunto de reivindicações de incentivos fiscais. “Nossa meta é chegar em 2020 transportando 200 milhões de passageiros por ano. Hoje são 100 milhões. O desafio será mudar do modelo de forte expansão e tarifa barata para o de transporte de massa com preços competitivos”, diz Sanovicz.
Para Santiago, da CBC&VB, um dos problemas para a estrutura ser mais cara no Brasil é a intermitência de público. “As empresas precisam ganhar em pouco tempo o necessário para recuperar o investimento do ano todo. A promoção de destinos deveria criar uma demanda maior durante mais tempo, com maior realização de feiras e congressos no País.” Segundo o executivo, a disputa na hora de atrair eventos é desigual. “Deparamos com países com tarifas aéreas e hotéis mais em conta, mais segurança e estrutura. Resultado não somente da ação dos empresários, mas de uma política pública de baixos incentivos, tributação violenta e juros altos.”
Há um embate entre o governo e as empresas hoteleiras em torno das tarifas. Segundo a Embratur, a variação entre os preços praticados habitualmente no mês de julho e aqueles cobrados para a Copa ultrapassa 500%. “Os turistas virão, mas ficarão com a ideia de que o Brasil é um país caro, o que prejudicará o turismo, pois o principal item definidor de uma viagem é a relação custo-benefício”, aponta Dino. O real valorizado só contribuiu para aumentar a sensação de preços altos.
As empresas consideraram a interferência do governo na política de preço indevida e prejudicial aos investimentos. “Investimos no Brasil com recursos próprios, sem linhas de crédito atrativas, e agora ainda enfrentamos problemas na operação. A rentabilidade é buscada com práticas realizadas no mundo todo, com a variação de preços de acordo com a demanda”, diz Roland Bonadona, diretor-geral da Accor para a América Latina. A Accor é a maior rede internacional de hotéis em operação no País, dona de marcas como Novotel, Mercure e Ibis.
Os preços praticados na Copa estariam acima dos verificados em Berlim e na África do Sul, mas a FOHB contesta os critérios da Embratur. “A comparação foi realizada entre tarifas praticadas e tarifas publicadas, o que não permite uma avaliação correta, pois os serviços têm preços flexíveis”, diz Rotter, do FOHB. Segundo o executivo, os investimentos na rede hoteleira exigidos para a Copa foram feitos. São 7 bilhões de reais, dos quais apenas 300 milhões financiados por bancos públicos. A preocupação seria a de garantir a demanda depois de 2014 em algumas cidades-sede. “Manaus, Belo Horizontes e Cuiabá nos preocupam. Nossa estimativa, com a desaceleração da economia, é de que em 2015 elas terão sobreoferta de leitos.” Pelas regras do mercado, os preços tendem então a cair. Resta saber se o efeito será suficiente para atrair mais estrangeiros.