Segurança em Eventos – Não dá para ficar sem
[Por Sérgio Junqueira Arantes, Portal Eventos, 31/12/2013]
Final de ano, tempo de desejar aos amigos, parceiros e colegas que o próximo ano seja muito bom.
Mas, também, tempo para recordar os bons e os maus momentos do ano que se finda.
Em 2013, os bons momentos foram muitos, mas o que marcou mais indelevelmente o ano foi o incêndio ocorrido em Santa Maria/RS.
E para que todos se mantenham preocupados e atentos da importância da Segurança em Eventos, reproduzo abaixo o Prefacio que escrevi para o livro de Andréa Nakane, Segurança em Eventos – Não dá para ficar sem.
NÃO
“Só duas coisas são infinitas, o Universo e a estupidez humana, mas não estou seguro sobre o primeiro”.
Albert Einstein
Titular da cadeira de Segurança em Eventos na Universidade Anhembi Morumbi, Andréa Nakane tem a experiência e os conhecimentos necessários para atender o momento que o Brasil viveu no pós-Santa Maria. Mas é importante observar que esta obra já vinha sendo gestada muito antes do ocorrido no Rio Grande do Sul, o que não elimina a rara oportunidade do mesmo.
Na esteira de Santa Maria muito se falou e escreveu. A colunista da revista Época, Ruth Aquino, numa página lapidar, cravou certeiro em “A Estupidez Humana”.
“Foi um conjunto de omissões e incompetências primárias, de Quinto Mundo. O assassinato coletivo na boate Kiss ficará na história como uma das tragédias que poderiam ser evitadas se houvesse uma coisa apenas: responsabilidade. Faltou responsabilidade. Do prefeito. Dos donos da boate. Do Corpo de Bombeiros. Dos músicos. Dos seguranças. As leis existem. Mas, por corrupção, ganância, descaso, ignorância e, principalmente, por falta de fiscalização e punição, crianças caem de rodas-gigantes defeituosas, grupos afundam em barcos superlotados, moradores de prédios antigos são soterrados, bujões, fogos de artifício e bueiros explodem. Ninguém vai preso, a culpa se dilui e a mídia esquece. Até a próxima ‘fatalidade anunciada’. Essas histórias mostram nossa única saída. A responsabilidade, pública e individual, com o espaço comum e com a vida de todos“.
Do Rio de Janeiro, Bayard Boiteaux, falou sobre ”O Brasil e suas grandes tragédias”, prenunciando os grandes movimentos de rua que, meses depois, eclodiriam, levando centenas de jovens às ruas de todo o país.
“Lotação exagerada em locais de entretenimento tem sido uma constante na história recente de nosso país, começando pelo trágico episódio do Bateau Mouche. Hoje, o incêndio de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, traz, novamente, o assunto à tona. Há uma voz em nossos corações que apela para a revolta, a mudança, jornalismo investigativo e que acaba acreditando nas providências pontuais que são tomadas. No entanto, verifico que, quando grandes lutadores chegam ao Poder, se esquecem de suas indagações e, contrariando uma pseudo ideologia, aderem ao establishment, citando um termo que demonstra uma adesão sem questionamento ao poder. Sim, precisamos de homens que acreditem na luta contínua por mudanças radicais, que devem acontecer sempre de forma pacífica. O mundo está mudando, as revoluções silenciosas, que clamam por democracia em praças pública nos enchem de orgulho. Agora, vamos sair para as ruas, pedindo fiscalização”.
Em meu blog, no Portal Eventos, não pude deixar de gritar “Somos todos culpados da tragédia de Santa Maria”.
Todos que militam na indústria de eventos e turismo sabem que a segurança é prioritária. Mas será que, na prática, de verdade, essa é uma preocupação prioritária quando realizamos nossos eventos?
• A verificação de todos os itens de segurança antes, durante e depois do evento é prioridade no checklist de seu evento, pequeno, médio ou grande?
• Toda sua equipe tem treinamentos periódicos de prevenção e atendimento de sinistros?
• Em seus eventos, sua equipe tem um programa de integração com a brigada de incêndio do local?
• Você e sua equipe vistoriam o local do evento antes de iniciar a montagem e antes de iniciar o evento, conhecendo e conferindo todas as condições de segurança do local? Existe um checklist do que deve ser verificado?
• Em caso de sinistro, todos de sua equipe sabem quais as primeiras providências e quais suas funções/responsabilidades?
• A legislação específica é diferente em cada cidade. As necessidades variam conforme o local. Você estuda e adequa seu evento para atendimento às determinações e necessidades de cada local?
• Ambulância, equipe médica e equipamento de pronto atendimento são meros itens obrigatórios ou você sabe para quê servem e onde estão?
• Toda sua equipe utiliza o seu EPI (Equipamento de Proteção Individual) quando a situação requer? Ela sabe quando deve usar o EPI? Foi treinada para isso?
• O orçamento de seu evento reserva verba para EHS (Emergency Health Services)? Este item é prioritário ou é o primeiro a ser cortado nas ‘adequações do budget’?
• Quantas vezes sua equipe foi treinada no uso de extintores de incêndio, sabendo em que circunstância deve usar este ou aquele equipamento? Antes do evento, sua equipe vistoria, procurando memorizar a localização dos extintores?
• E as portas de emergência? A tendência dos participantes em caso de sinistro é procurar a porta pela qual entrou, que certamente não suportará o afluxo de todos. Sua equipe sabe onde ficam as portas de emergência e como fazer para conduzir parte do público para as mesmas?
• O seu MC tem instruções em caso de sinistro?
• A manutenção dos espaços é fundamental para segurança dos participantes. Quais os critérios de sua empresa para conferir a manutenção dos espaços em que faz seus eventos?
• Até criancinha na escola infantil faz simulações de incêndio e outras emergências. Quando você fez a última simulação de emergência em um evento ou mesmo em sua empresa?
• Teatros e cinemas, sem receio de espantar seus usuários, dão orientações sobre equipamentos de segurança e portas de emergência no início de cada sessão. Quando foi a ultima vez que você fez isso em seu evento?
• E se, mesmo com todas essas preocupações, algo der errado, o seu seguro cobre os diversos sinistros que podem ocorrer em seu evento?
Militando há quase 20 anos na indústria de eventos e turismo, lamento dizer que raramente participei de eventos em que poderia afirmar que as preocupações acima fossem a tônica. Parece-me que todos (clientes, agências, organizadores, espaços, governo) pensam que isso é problema dos outros. “Meu negócio é fazer o evento. O resto é problema do espaço (que tem obrigação de prever tudo, fazer manutenção etc.), do organizador ou da agência (que deve estar atenta a todos os detalhes e tomar todas as precauções) ou do governo (que deve legislar corretamente, fiscalizar, negar alvará para locais inadequados etc.), do cliente (que deveria exigir a máxima segurança em seu evento e dispor-se a pagar para tê-la) etc.”.
Desde a tragédia de Santa Maria, estas e muitas outras perguntas vêm martelando minha cabeça. Penso em cada evento de que participei e, principalmente, nos que promovi e me pergunto se pensei e tomei todas as precauções acima listadas. E me assusto com as respostas. Não gosto do retrato de omissão e negligência resultante.
Somos Todos Culpados da Tragédia de Santa Maria. Afinal, ela é fruto da omissão e da negligência que é parte de nosso dia a dia. Ela aconteceu no Rio Grande do Sul, mas poderia ter acontecido em qualquer parte do país, pois são raríssimos os locais e empresas que podem afirmar, com todas as letras, que, em seus eventos, segue a cartilha do começo ao fim, rigorosamente.
Seria de se esperar que a tragédia de Santa Maria e, logo após, o ocorrido na montagem do evento do Bradesco, na Bahia, teriam servido de lição e que o mercado estaria agindo de forma diversa, mais atento à importância do gerenciamento de risco em seus eventos.
Mas, para minha surpresa, tendo inserido três questões sobre o assunto na pesquisa “O Mercado de Congressos no Brasil”, respondida por dirigentes das principais associações e entidades que promovem congressos no país, observamos que a maioria ainda não entendeu a importância e a prioridade que a questão deveria ter em seus eventos.
Perguntados: quão importante você considera o gerenciamento de risco em seus eventos (1: não é importante – 10: muito importante), o resultado ponderado foi apenas 7,19 o que poderia parecer bom, se não nos atinarmos aos detalhes: 43,75% deram nota 10, mas 6,25% deram nota 1, 3 e 4 e 12,50% deram nota 5 e 6.
Na questão seguinte: você faz e/ou exige que sua organizadora faça análise de risco de seus eventos? 50% responderam que “Não” e 31,25% que “Somente nos eventos maiores”. Apenas 18,75% responderam “Sim para todos”.
Procurando afinar melhor a percepção do pensamento dos responsáveis pelos principais congressos brasileiros, eventos que reúnem milhares de pessoas, perguntamos qual das afirmações melhor descreve o seu ponto de vista. Apenas 45% responderam: “É melhor ser proativo e gastar algum dinheiro fazendo uma análise de risco antes de iniciar o planejamento do evento”. Para 22% dos pesquisados, “É melhor guardar o dinheiro da gestão de risco durante o planejamento e usá-lo se algo acontecer”. Para as três opções seguintes oferecidas na pesquisa a resposta se distribui igualmente, com 11% para cada uma: “A análise de risco poderia ser interessante, mas não tenho nem tempo nem o dinheiro para lidar com isso”; “A análise de risco poderia ser interessante, mas não há ponto de fazê-lo, porque nem sempre se pode prever tudo” e “Eu sei como planejar um evento, eu não preciso de análise de risco”.
Um resultado estarrecedor. Não merece comentários.
Mas tem mais: em reportagem publicada no dia 19 de junho, o portal UOL/Esportes reporta: “FIFA usa seguranças sem curso obrigatório para grandes eventos”. Será esse o legado que a entidade máxima do futebol vai deixar no Brasil? A matéria explica: “Criado e tornado obrigatório no ano passado, com validade já para a Copa das Confederações, o curso para agentes de segurança de grandes eventos não ficou pronto. Assim, os seguranças da FIFA que trabalham no mundial de futebol em curso no país não contam com a formação obrigatória para este fim”. Graças a Deus (dizem que Ele é brasileiro, mas andam abusando de sua boa vontade) nada aconteceu. Mas, se ocorresse uma tragédia, de quem seria a culpa? Certamente, a FIFA diria que era nossa. E seria mesmo, afinal nos curvamos e aceitamos que desobedecesse à Lei.
Todo o exposto acima vem demonstrar a necessidade e a importância do livro da Andréa Nakane que, em sua parte final, analisa ocorrências como Santa Maria, Bateau Mouche, Bradesco e uma dezena de outras que demonstram a falta de cuidado com que a vida humana é tratada em alguns eventos. E, infelizmente, também reporta a impunidade de seus responsáveis.
Esperemos que essa realidade mude, rapidamente. E para isso “Segurança em Eventos – Não dá para ficar sem” tem um papel importante, pois detalha os caminhos que os organizadores de eventos devem trilhar para serem profissionais responsáveis, mas também mostra os riscos que eles correm quando não se preocupam com o gerenciamento de riscos dos eventos que têm sob sua responsabilidade. Todas as questões que levantei em meu “grito” e muitas outras estão respondidas, explicadas, detalhadas por Andréa Nakane. Para evitar que as tragédias e os incidentes se repitam, basta aprender as lições de mestre Nakane. E aplicar.
Se pudéssemos sintetizar em uma palavra este livro, seria NÃO. A importância e a coragem de dizer não ao mal feito; dizer não ao risco não mitigado; dizer não aos que cobram facilidade, dificultando os processos; dizer não ao mal profissional; dizer não aos que insistem em colocar vidas humanas em risco.
SERGIO JUNQUEIRA ARANTES