Brasil precisa atrair turistas estrangeiros com faixas de renda mais elevadas
[Por Jornal do Brasil, 28/09/2013]
Mesmo com as dificuldades enfrentadas nos últimos anos, como aumento expressivo do dólar, voos cada vez mais lotados e com uma classe econômica de serviços cada vez mais modestos, os brasileiros continuam viajando muito para o exterior e gastando mais em suas viagens. De acordo com pesquisa do TripAdvisor, uma em cada quatro turistas brasileiras pretende gastar mais de R$ 1.800 só em compras durante uma viagem. Já os estrangeiros que vêm passear por aqui estão mais contidos, o que gera um déficit cada vez maior na balança comercial do Turismo. Em 2012, o gasto médio diário por turista estrangeiro foi de US$ 68,94, contra os US$ 71,35 do ano anterior. No ano passado, os gastos dos brasileiros lá fora bateram recorde, com US$ 22,2 bilhões contra os US$ 6,6 bilhões deixados pelos estrangeiros. Nos oito primeiros meses deste ano, os gastos dos brasileiros ainda foram 14,5% maiores que no mesmo período do ano passado.
Além do comportamento cauteloso do turista que vem ao Brasil em relação às compras, eles acabam também não encontrando a mesma qualidade de bens e serviços de destinos já consagrados. Nosso Turismo de Lazer, principal motivo de viagem dos que visitaram o Brasil no ano passado, não tem equipamentos turísticos tão atraentes como os parques da Disney na Flórida, por exemplo, que recebem 40 milhões de pessoas todos os anos. Sem falar que o Brasil representa apenas 0,5% do fluxo mundial de turistas. Há 14 anos tentamos ultrapassar o índice de 5 milhões de turistas estrangeiros anuais, mas só agora isso parece possível.
“Com a taxa cambial favorável para o turista estrangeiro, vamos ultrapassar neste ano, pela primeira vez, a barreira de 6 milhões de estrangeiros visitando o Brasil. Em agosto, a entrada de turistas foi 5,5% superior a agosto de 2012,o que demonstra que o turismo estrangeiro no Brasil cresce acima da média mundial, que está em torno de 4%, segundo a Organização Mundial do Turismo. Assim, com o aumento de entrada de turistas, os gastos dos estrangeiros, computados em reais, vão continuar a crescer”, afirma Flávio Dino, presidente da Embratur, órgão responsável pela promoção do Turismo brasileiro no exterior.
Todavia, receber mais estrangeiros não significa que eles gastarão mais no país, a ponto de compensar os gastos dos brasileiros do exterior. Gabriela Otto, especialista em Turismo e Mercado de Luxo, lembra que destinos como a Austrália recebem o mesmo número de turistas que o Brasil, mas registram receitas turísticas cinco vezes superiores. Muitos fatores contribuem para a atração de um número reduzido de viajantes e ainda os gastos contidos dos mesmos.
Débora Cordeiro Braga, professora de Turismo da Universidade de São Paulo (USP), ajuda a destacar algumas questões que contribuem para esse quadro. Uma delas é o fato do brasileiro viajar para o exterior já com foco nas compras, como para montar um enxoval de bebê ou comprar presentes de Natal para a família inteira. Outra seria a baixa atração do turista de luxo estrangeiro. Ela reforça que o público que vem para o Brasil não é “dos mais abonados”. O importante, acredita, é primeiro modernizar a infraestrutura turística do país, para depois pensar em divulgá-lo. A Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016 seriam então grandes testes para a divulgação de nossas riquezas, “ou vai ser um tiro no pé ou vamos realmente conseguir mostrar o que temos de melhor”.
“Nossos impostos são tão absurdos que vale mais a pena você pagar uma viagem para consumir lá fora do que comprar aqui mesmo. Nossa oferta de Luxo também é incipiente, a gente está começando a oferecer um hotel, um resort que tem um trabalho um pouco mais próximo do que é Turismo de Luxo, enquanto na África, no Oriente Médio, na Oceania, encontramos realmente destinos de luxo que cobram por mimos que a gente ainda não sabe trabalhar. No último ano, a diferença dos gastos dos brasileiros lá fora e dos estrangeiros aqui foi muito gritante. Há pessoas que vão duas vezes ao ano aos EUA só para comprar. Então fica desigual fazer uma comparação”, ponderou Débora.
O diretor de Estudos e Pesquisas do Ministério do Turismo (MTur), José Francisco Salles Lopes, salienta que a receita turística brasileira ainda é resultado, em grande parte, dos gastos dos latino-americanos – reflexo do chamado Turismo regional, que tem força semelhante em outros continentes como a Europa. Esse turista latino-americano teria uma renda inferior à de outros viajantes e, na maior parte das vezes, chega ao país por via terrestre. Foi, todavia, o principal responsável pelo aumento da captação de turistas no país.
“Nós temos que trabalhar quantitativa e qualitativamente para trazer mais gente para o Brasil. Nós não temos que nos preocupar que o turista que vem para cá deve ser igual ao brasileiro, precisamos investir em infraestrutura, em qualificação de pessoal, para que a gente possa receber os turistas cada vez melhor. O esforço que tem sido feito [de divulgação do país] na América do Sul tem trazido resultados. Precisamos agora atrair aqueles turistas com renda mais expressiva, que podem gastar mais”, declarou o diretor por telefone.
Para ele, o grande salto que a população brasileira deu, em termos de renda, nos últimos dez anos, é o principal responsável pela disparidade entre os gastos feitos pelos viajantes brasileiros lá fora e os deixados pelos estrangeiros aqui. Em 2003, os gastos dos brasileiros no exterior ficavam em torno de US$ 2 bilhões. Em 10 anos, este número triplicou.
Outro que destaca o salto no poder aquisitivo dos brasileiros é Mário Beni, professor de cursos de pós-graduação em Turismo na USP. Ele lembra que existiu um momento de transição, há dois anos, que ampliou a possibilidade dos brasileiros viajarem. “Quando houve esse processo todo de mobilidade social no país, ampliou muito a possibilidade de viajar. O Turismo interno estourou e foi para 60 milhões de viajantes”.
O perfil dos visitantes estrangeiros no Brasil
É unânime entre autoridades e especialistas a impressão de que os turistas estrangeiros que visitam o país são os menos dispostos a gastar. Estudo da Demanda Turística Internacional, com dados do MTur e da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), aponta que, no ano passado, a renda média mensal (individual) dos estrangeiros que visitaram o país foi de US$ 3.502,62 – valor um pouco maior que o registrado nos anos anteriores. Outra pesquisa indica que a grande maioria dos brasileiros dispostos a viajar para o exterior pertence a faixas de renda superiores a isso – 55% dos brasileiros entrevistados pelo MTur e Fundação Getúlio Vargas (FGV) em agosto, que pretendiam viajar para o exterior nos meses seguintes, pertenciam à faixa de renda acima de R$ 9.600. Ou seja, a grande maioria dos brasileiros que viaja para gastar no exterior faz parte de uma faixa econômica superior a dos estrangeiros que nos visitam.
O diretor de Pesquisas do MTur comenta, com base no Estudo da Demanda Turística Internacional, que a maioria dos turistas de outros países que nos visitam (43,5) têm ensino superior, enquanto 26,5% são pós-graduados e 25,7% têm ensino médio completo. O grau de instrução deles, portanto, é “razoavelmente bom”.
Ele destaca ainda outros dados importantes, que ajudam a traçar o perfil do estrangeiro. A maioria (46,8%) veio a Lazer em 2012, e representou o segundo maior gasto diário, atrás apenas do turista de negócios. O segmento, no entanto, conta com uma permanência pequena, em comparação com o turista que vem para ficar na casa de parentes e amigos – 27,9% dos que vieram em 2012, mas que gastaram menos por dia, cerca de US$ 46,41, enquanto o viajante de negócios e eventos gastou praticamente o triplo.
“O sul-americano, por ter parcela ponderável que vem por fronteira terrestre, tem uma parcela de gasto menor. É o turista que é realmente vem para fazer aquilo que se destinou. O de negócios gasta mais porque costuma ficar em hotéis mais caros, entre outras coisas. O de Lazer vem para conhecer atrativos, não para comprar. Já o brasileiro compra para si mesmo e para ganhar dinheiro, fora a turma que vai para comprar o enxoval de bebê”, comentou Lopes.
A pesquisa indica que 98% dos turistas pretendem voltar. A grande dificuldade então é atrair a parcela que ainda não vem. Um dos empecilhos é a distância. A questão é que, se for só pela praia, europeus e americanos, que estão entre os principais visitantes do país, não precisam enfrentar viagens de no mínimo seis horas até aqui para usufruir, eles podem visitar praias mais próximas deles. “Precisamos atrair turistas mais sofisticados. O turista estrangeiro, de uma forma geral, gosta de ir a lugares mais próximos, não gosta muito de viajar”, declarou.
Beni ressalta o perfil dos turistas que estão entre os que mais visitam o país. Os europeus seriam os que têm o mais desejo de poupar, talvez inspirados por experiências familiares com a Segunda Guerra Mundial, e compram apenas o necessário; os americano gastariam um pouco mais, não tanto comparados ao brasileiros, principalmente devido a recente crise econômica. “A pesquisa de perfil do turista estrangeiro é muito complexa”, ele pondera.
Ele acrescenta a essas questões o alto custo do Brasil, cuja hotelaria já atingiu uma das maiores tarifas cobradas do mundo, e as dificuldades encontradas pelos turistas para chegar a determinados destinos brasileiros. Para voar até a Amazônia, o turista que vem da Europa, por exemplo, precisa ir até Brasília para então ir, no caso voltar, para o destino desejado. O problema, apontam as companhias aéreas, seria a baixa demanda desses voos, o que inviabiliza rotas mais eficientes para esses destinos. Soma-se a isso as altas tarifas aéreas cobradas entre os cidades brasileiras.
“Temos uma tarifa aérea que não é competitiva como a do Atlântico Norte (Estados Unidos e Europa). O Brasil recebe 0,55% do tráfego turístico mundial, enquanto a América do Norte e a Europa representam 80%. Então é difícil competir com as tarifas de lá. As nossas taxas são muito altas. O que tem que ser feito na América do Sul é a fusão entre as empresas aéreas, como a da Lan com a Tam”, ressaltou Beni, que acredita que as fusões aumentariam a competitividade das aéreas na indústria global. Outra sugestão de Beni é maior integração do país com os outros destinos da América do Sul, ou seja, oferecer ao turista de outros continentes mais facilidades para realizar roteiros integrados pela América do Sul.
Cláudio Magnavita, membro do Conselho Nacional de Turismo, destaca que a imagem do Brasil no exterior ainda é marcada por símbolos como o Zé Carioca, da Disney, e Carmen Miranda, ou ainda pelo cenário apresentado pelos Simpsons, quando eles chegam ao Brasil e encontram macacos pelas ruas. Exemplo disso seria a demanda por jeep tour em lugares como a Zona Sul do Rio de Janeiro, como se fossem passeios pela floresta amazônica, o que revela grande desconhecimento da oferta turística do destino.
Turismo de Luxo é mercado promissor, mas depende de identidade brasileira fortalecida
O Turismo é uma área relativamente nova no Brasil. Nosso Ministério do Turismo foi criado há apenas 10 anos. O Turismo de Luxo, que poderia ser a solução para receber turistas mais sofisticados e dispostos a gastar mais, é mais recente ainda. Gabriela Otto, porém, reforça que o país vem crescendo na área, mas que precisa criar uma identidade cultural forte, para oferecer serviços originais e exclusivos, não apenas uma cópia do que já é ofertado na Europa ou na América do Norte.
“A previsão de crescimento do mercado de luxo, em geral, no Brasil é de 15% a 20%. Temos muito potencial, o problema é que a gente ainda não explora este potencial. Temos referenciais europeus. O que falta é focar na brasilidade. Só o ato de utilizar materiais de construção brasileiros em um hotel, por exemplo, faz com que o Turismo de Luxo brasileiro se posicione. Caso contrário seremos sempre a cópia de alguma coisa”, adverte.
Gabriela acredita, todavia, que a autoestima do brasileiro tem melhorado nos últimos anos, o que pode contribuir a criação dessa identidade da sofisticação autenticamente brasileira. “A ideia de ostentação do Turismo de luxo caiu por terra, os viajantes agora estão procurando conhecer justamente como as pessoas vivem, a gastronomia. É o luxo do silêncio, o luxo simples. Antes, a mesa mais cara do restaurante ficava no centro, para as pessoas serem vistas. Hoje, a mesa mais cara fica na cozinha do restaurante, como chefe servindo uma experiência gastronômica sensacional. Esse turista, em vez de ir para o Ritz de Paris, está indo para a savana africana para ficar numa cabana que custa o mesmo preço, mas para ter uma experiência única”, explica.
A especialista ressalta que a Embratur tem feito uma promoção no exterior voltada ao mercado de luxo brasileiro, que ainda é jovem mas que conta com grandes destinos como Trancoso e Fernando de Noronha. Outros destinos, que não os de massa, e hotéis exclusivos, não os de rede, seriam as bolas da vez. Resta então, ressaltam os especialistas, trabalhar para modernizar o acesso e infraestrutura desses locais.
Miguel Torruco, professor de Turismo no México, acredita que o mercado brasileiro não tem resgatado ou traduzido a cultura ou idiossincrasia locais. “Sinto que [o Brasil] foi separado de sua identidade histórica e cultural. O turista que vem ao Brasil quer se sentir carioca, quer sentir o que emana do povo, o folclore, a tradição, a idiossincrasia. As nações que melhor conservarem seu ambiente e preservarem sua identidade histórica e cultural serão os países que participarão de maneira plena e extraordinária da economia do Turismo”, concluiu. Para ele, durante visita ao Brasil, o mais frustante foi visitar hotéis que nada tinham a ver com a cultura do país.
Os brasileiros e as compras
Os brasileiros conquistaram uma fama internacional de turistas esbanjadores, que não poupam dinheiro em viagens. Miami, destino de compras que acabou substituindo o Paraguai, principalmente com o barateamento das viagens de longa distância, tem os brasileiros como principais visitantes e compradores. Todas as nações têm investido nos últimos anos quantias significativas para atrair mais brasileiros e, assim, incrementar suas receitas turísticas.
Entre os brasileiros que vão ao exterior, aponta Beni, apenas 20% não tem a intenção de gastar muito. “Houve essa ascensão social, surgiu uma nova classe média, que quer fazer tudo que não podia fazer antes. Ela tem um pouco de poupança, tem condições de fazer crediário. O fluxo teve uma curva ascendente, que agora parte para um processo de estabilidade e que pode partir para um processo de declínio se a inflação aumentar muito, se o dólar atingir patamares muitos altos. O brasileiro vai ter que fazer a conta”, sugere.
As compras dos brasileiros, no entanto, muitas vezes acabam se convertendo em lucro próprio, como reforça José Francisco Salles. Em Miami, o brasileiro começou a comprar desde a vestimenta até o imóvel para alugar.
Magnavita alerta para a necessidade de oferecer serviços de qualidade no Brasil, para que o brasileiro não gaste tanto no exterior. “Temos que parar de gerar empregos lá fora, para gerar aqui. É preciso criar condições justas para que o estrangeiro encontre um país com serviços de qualidade iguais aos de primeiro mundo. É preciso um choque de transformação no Brasil, em questão de infraestrutura”.