Só três das 82 obras prometidas para a Copa mantêm gastos e cronograma
[Por Estadão, 12/01/2013]
Em três anos, o planejamento da infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014 transformou-se em uma peça de ficção. Das 82 obras de mobilidade urbana, portos e aeroportos prometidas em 2010, por meio de um documento chamado matriz de responsabilidades, somente três permanecem com igual cronograma e orçamento. Nada menos que 21 empreendimentos foram retirados do compromisso, 25 tiveram o orçamento alterado e os demais 33 experimentaram ao menos mudança no prazo de conclusão. Ao longo deste período, outras 28 obras de mobilidade urbana foram incluídas na previsão e somente sete delas chegaram a ser entregues até agora.
A cerimônia de assinatura da matriz de responsabilidades foi uma festa no Palácio do Itamaraty no dia 13 de janeiro de 2010, com a presença de governadores e prefeitos das 12 sedes da Copa. Ministra da Casa Civil na época, a agora presidente Dilma Rousseff considerava o documento como um compromisso que seria cumprido pelo poder público. “A matriz de responsabilidades traz projetos realistas que podem ser concluídos nos prazos determinados. Um legado permanente, um ganho significativo para a população das cidades”, disse ela, na ocasião. O ex-presidente Lula declarou: “Agora todo mundo sabe quais os compromissos que têm e o que precisamos para realizar a melhor Copa de todos os tempos”.
O tempo, porém, mostrou que o compromisso de então, definido como “realista” pelo governo, era na realidade fantasioso. Das 61 obras da matriz original, ou seja, as 82 previstas menos as 21 retiradas, 37 já deveriam ter sido entregues, mas somente duas estão concluídas. Pelo estabelecido em 2010, apenas uma das 61 obras seria entregue em 2014, às vésperas do evento. Agora, já são 23. Das 28 novas ações incluídas nas áreas de mobilidade urbana, portos e aeroportos, 11 têm previsão para 2013 e outras 10 só devem ser concluídas em 2014. Todas as obras que estão dentro do cronograma ou que já foram entregues são relacionadas aos aeroportos.
O planejamento inicial para as 82 obras previa orçamento de R$ 17,89 bilhões. Agora, a estimativa para as 61 obras da matriz original mais as 28 incluídas (89 no total) é de R$ 16 bilhões. A razão é que intervenções de maior impacto foram substituídas por outras mais modestas e em alguns casos a obra será entregue de forma parcial.
A matriz de responsabilidades reúne os compromissos dos governos federal, estaduais e municipais. No caso de mobilidade urbana, a União faz o financiamento, mas a execução fica a cargo de governos estaduais e prefeituras. Portos e aeroportos são de responsabilidade da União, mas com a privatização de três deles algumas obrigações cabem agora à iniciativa privada. O documento é atualizado quando há retirada ou inclusão de alguma ação ou alteração significativa.
DINÂMICA DO PROCESSO
A Secretaria de Comunicação da Presidência da República afirma que as mudanças “são decorrentes da dinâmica do processo federativo e de outros fatores externos ao setor público, e não podem ser vistos como sinal de inadequação do planejamento inicial”. Classifica ainda como natural “ajustes” no plano inicial e afirma que a existência da matriz “mostra o compromisso do Governo com o alcance dos objetivos e com o compartilhamento de informações com toda a sociedade”, diz nota enviada ao Estado.
As obras de mobilidade urbana são as que registram os maiores problemas. As intervenções de responsabilidade exclusiva do governo federal, porém, também foram sensivelmente alteradas ao longo dos anos. Das 25 obras previstas em aeroportos, oito foram canceladas. Outras 12 ações foram incluídas. Segundo dados do governo, nove obras foram entregues. Destas, porém, quatro são módulos operacionais, estruturas concebidas para uso provisório.
Uma outra obra considerada concluída é a terraplenagem da área onde será construído o terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos. A justificativa para a inclusão é que a ação foi realizada pela Infraero antes da concessão para a iniciativa privada. A Secretaria de Aviação Civil afirma que o terminal será construído até o evento.
Nos empreendimentos de portos as mudanças foram de calendário, orçamento e estrutura. A maior alteração foi na promessa de construção de um píer em Y no porto do Rio para atrair navios de cruzeiro. O píer custaria R$ 314 milhões e seria entregue em dezembro. Agora o governo deve entregar apenas a primeira parte do projeto, orçado em R$ 91 milhões, em fevereiro de 2014.
Os ministérios envolvidos diretamente no planejamento, Esporte, Cidades, Portos e Aviação Civil, negam ter ocorrido falha no programa. O secretário executivo do Ministério do Esporte e coordenador do Grupo Executivo da Copa do Mundo de 2014 (Gecopa), Luís Fernandes, classifica como natural as profundas alterações. “Considero que o planejamento feito no início foi realista.”
Entre os motivos para as mudanças, União, estados e municípios citam decisões judiciais, problemas com licenciamento ambiental, alterações nos projetos e a elaboração da matriz original, em muitos casos, sem a realização prévia de projetos executivos.